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Hipóteses em que a prova ilícita pode ser admitida, com base no princípio da proporcionalidade e na ponderação dos bens tutelados.


Provas ilícitas no Direito.



 Princípio da proporcionalidade.

HIPÓTESES EM QUE A PROVA ILÍCITA PODE SER ADMITIDA, COM BASE NO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E NA PONDERAÇÃO DOS BENS TUTELADOS.

 

Resumo.

O presente trabalho abordará as hipóteses em que a prova ilícita pode ser admitida no processo civil, com base no princípio da proporcionalidade e na ponderação dos bens tutelados. Em que pese o art. 5, LVI da Constituição Federal estabeleça que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, admite-se a possibilidade de flexibilização de tal vedação. Na medida em que, diante da ponderação dos bens tutelados e norteada pelo princípio da proporcionalidade, a admissão das provas ilícitas em um processo é possível, quando equiparada com demais garantias fundamentais.

 

Palavras-chave: prova ilícita- princípio da proporcionalidade- garantias individuais

 

ABSTRACT:

The present work will address the situations in which illegal evidence may be admitted in civil proceedings, based on the principle of proportionality and the balancing of protected rights. Although Article 5, LVI of the Federal Constitution establishes that evidence obtained through illegal means is inadmissible in court, the possibility of flexibility of this prohibition is acknowledged. As such, in light of the balancing of protected rights and guided by the principle of proportionality, the admission of illegal evidence in a proceeding is possible when weighed against other fundamental guarantees

Key words: Illegal evidence- Principle of proportionality- Individual guarantees

 

 1. INTRODUÇÃO.

 Consoante o ordenamento jurídico nacional, as provas ilícitas são, em regra, inadmissíveis nos processos judiciais. No entanto, admite-se a possibilidade de "flexibilização" desse preceito em situações excepcionais, nas quais a utilização de provas ilícitas pode ser admitida.

 Desta forma, o presente artigo abordará as hipóteses em que a prova ilícita pode ser utilizada no processo civil, com base no princípio da proporcionalidade e na ponderação dos bens tutelados.

 Preliminarmente, se torna essencial destacar o conceito de prova. Neste sentido, Fernando Costa Tourinho Filho [1] ensina que:

 “provar é, antes de mais nada, estabelecer a verdade; e as provas são os meios pelos quais se procura estabelecê-la…o objetivo ou finalidade da prova é formar a convicção do Juiz sobre os elementos necessários para a decisão da causa.”

Logo, prova pode ser entendida como o meio, pessoa, documento, ou qualquer outra forma de tentar demonstrar a veracidade dos fatos sobre os quais versa a ação.

 A prova é o instrumento através do qual as partes buscam demonstrar a veracidade dos fatos alegados, sendo essencial para a formação da convicção do julgador.

 De maneira complementar, o professor Moacyr Amaral Santos [2] define prova como “a soma dos fatos produtores da convicção apurados no processo

 Além disso, Alexandre Guimarães Gavião Pinto, acerca da prova ilícita, destaca que:

 

"De acordo com o artigo 5º, inciso LVI da Constituição da Republica, são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, o que importa no reconhecimento de que meio de colheita de prova que vulnere as normas do direito material deve ser combatido, o que configura, indubitavelmente, importante garantia em relação à ação persecutória do Estado. A prova ilícita nada mais é do que espécie da denominada prova proibida, que deve ser entendida como toda aquela que não pode ser valorada no processo. Não se pode perder de perspectiva a existência de duas espécies de provas proibidas, quais sejam: as provas ilícitas e as provas ilegítimas. As provas ilícitas são aquelas alcançadas com a violação do direito material, enquanto as provas ilegítimas são as obtidas em desrespeito ao direito processual. A prova ilícita não pode ser considerada idônea para formar o convencimento do Magistrado, devendo ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, o que se justifica diante da necessidade de se formar um processo justo, que respeite os direitos e garantias fundamentais do acusado."

A Constituição Federal, em seu art. 5, LVI estabelece que: são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

 No âmbito do direito processual penal, o art. 157 do Código de Processo Penal traz que: São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legal

 Sob outro aspecto, o art. 369 do Código de Processo Civil dispõe que: As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.

 Os dispositivos legais são norteados pelo princípio do devido processo legal. Na medida em que, possuem como objetivo evitar que as partes se utilizem de meios ilícitos para provar suas alegações, preservando, assim, as garantias individuais.

 Contudo, conforme mencionado anteriormente, existe a possibilidade de “flexibilização” deste preceito, admitindo, excepcionalmente, a utilização das provas ilícitas em um processo, com base no princípio da proporcionalidade e ponderação dos bens tutelados.

 

 2. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.

 A aplicação do princípio da proporcionalidade se mostra como uma exceção à regra que veda a utilização de provas ilícitas em um processo, sendo aplicado em casos em que a necessidade de se proteger um direito fundamental de maior relevância justifica a utilização de uma prova obtida por meios ilícitos.

 O princípio da proporcionalidade envolve três elementos: adequação (se o meio usado é adequado para atingir o fim desejado), necessidade (se não há outro meio menos gravoso) e proporcionalidade em sentido estrito (se o benefício de violar um direito justifica o prejuízo).

 A ponderação dos bens tutelados, por sua vez, busca solucionar conflitos entre normas fundamentais, considerando o “peso” de cada uma delas. De modo que, está diretamente relacionado ao princípio da proporcionalidade.

 Portanto, é possível considerar que a ponderação dos bens tutelados é o ato de equilibrar tais normas, enquanto a proporcionalidade é a ferramenta usada para fazer esse equilíbrio de forma justa e fundamentada.

 Desta forma, a aplicação desta técnica de balanceamento assegura à admissibilidade excepcional da prova ilícita, nos casos em que o bem jurídico protegido prevalece sobre o bem sacrificado.

 Acerca do tema, Alexandre de Moraes [3] leciona que:

 "Saliente-se, porém, que a doutrina constitucional passou a atenuar a vedação das provas ilícitas, visando corrigir distorções a que a rigidez da exclusão poderia levar em casos de excepcional gravidade. Esta atenuação prevê, com base no Princípio da Proporcionalidade, hipóteses em que as provas ilícitas, em caráter excepcional e em casos extremamente graves, poderão ser utilizadas, pois nenhuma liberdade pública é absoluta, havendo possibilidade, em casos delicados, em que se percebe que o direito tutelado é mais importante que o direito à intimidade, segredo, liberdade de comunicação, por exemplo, de permitir-se sua utilização."

Bem como, dispõe Luiz Francisco Torquato Avolio:

 “Para que o Estado, em sua atividade, atenda aos interesses da maioria, respeitando os direitos individuais fundamentais, se faz necessário não só a existência de normas para pautar essa atividade e que, em certos casos, nem mesmo a vontade de uma maioria pode derrogar (Estado de Direito), como também há de se reconhecer e lançar mão de um princípio regulativo para se ponderar até que ponto se vai dar preferência ao todo ou às partes (Princípio da Proporcionalidade), o que também não pode ir além de um certo limite, para não retirar o mínimo necessário a uma existência humana digna de ser chamada assim."

Desta forma, o princípio da proporcionalidade emerge como norteador no momento de se admitir ou não, uma prova ilícita no processo, permitindo que o julgador avalie, de forma criteriosa, se a proteção de um direito de maior relevância justifica a mitigação de outro.

 Portanto, os direitos fundamentais podem ser relativizados dependendo da ponderação com outros princípios. De fato, muitas vezes, precisamos colocar em confronto princípios constitucionais da mesma envergadura e hierarquia, e, sopesando-se a ponderação, mitigar um em detrimento do outro. Desta maneira e dentro de certos limites, a vedação das provas ilícitas permite relativização.

 

 3. O ENTENDIMENTO NO ÂMBITO DO DIREITO CIVIL.

 Diante dos fatos expostos, se torna essencial ressaltar os casos no âmbito do direito de família, nos quais prevalece o entendimento favorável à admissão de provas ilícitas no processo.

 Tal entendimento se dá em razão do caráter íntimo das relações familiares, fato que dificulta a produção probatória, na medida em que os fatos que fundamentam as alegações ocorrem em ambientes restritos, muitas vezes sem testemunhas e registros, o que limita os meios probatórios convencionais.

 Neste segmento, torna-se importante destacar o entendimento aplicado nos casos que envolvem os direitos dos menores, já que, em razão da vulnerabilidade das crianças, a admissão de provas ilícitas nos processos se torna justificada.

 Em tais casos, quando o bem jurídico protegido é a segurança, integridade física ou psicológica da criança, os tribunais frequentemente se mostram dispostos a admitir provas ilícitas, como gravações não autorizadas ou mensagens interceptadas.

 A título de exemplificação, destaca-se o caso julgado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, vejamos:

 AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS. PEDIDO DE QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO DO ALIMENTANTE. ALEGAÇÃO DE QUE O ALIMENTANTE EXERCE ATIVIDADES COMO PROFISSIONAL LIBERAL E QUE HÁ DIFICULDADE DE PRODUÇÃO DE PROVAS SOBRE OS SEUS GANHOS. MEDIDA EXCEPCIONAL. PREPONDERÂNCIA DO DIREITO A ALIMENTOS DOS FILHOS E DA EX-ESPOSA EM RELAÇÃO A GARANTIA FUNDAMENTAL DE SIGILO BANCÁRIO. NECESSIDADE DE CONHECER OS REAIS RENDIMENTOS DO ALIMENTANTE. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO.

(TJ-SC - AG: 20130220183 SC 2013.022018-3 (Acórdão), Relator: Domingos Paludo, Data de Julgamento: 23/07/2014, Primeira Câmara de Direito Civil Julgado)

  Para ilustrar esta questão, podemos imaginar a situação hipotética na qual uma prova ilícita (como uma gravação clandestina) é essencial para proteger a vida ou a integridade física de uma criança. Nesse caso, o juiz pode ponderar se o direito à privacidade (violado pela gravação) deve ceder diante do direito à vida ou à segurança da criança. A proporcionalidade ajuda a guiar essa análise, determinando se a prova ilícita é necessária, adequada e se a proteção do bem tutelado (a vida, nesse caso) justifica a violação da privacidade.

 Neste cenário, é imprescindível abordar o tema da alienação parental, reconhecida pela Lei n.º 12.318, deili 26 de agosto de 2010.

 Conforme o art. 2 o da referida legislação, a prática de alienação parenta, consiste, em tese, na interferência da formação psicológica da criança ou adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para repudiar genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

 Dessa forma, um dos familiares pode influenciar negativamente a criança, levando-a a rejeitar o outro genitor, comprometendo o desenvolvimento saudável dos vínculos afetivos com ele, podendo gerar danos profundos e duradouros em sua formação.

 Nos termos do art. 3o da Lei de Alienação Parental: A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.

 Portanto, o entendimento jurisprudencial reconhece que, diante da dificuldade de se provar a alienação parental por métodos convencionais, como depoimentos ou documentos, a utilização de provas ilícitas, como gravações não autorizadas ou interceptações de mensagens, pode ser a única forma de comprovar o comportamento alienante de um dos pais.

 Logo, em situações excepcionais, podem ser admitidas as provas ilícitas, como gravações de áudio por meio de aparelhos celulares, sistemas de monitoramento; filmagens; troca de mensagens onlines por rede social, sempre que tais provas tenham como objetivo proteger o direito da criança, preservando sua integridade física e mental, assegurando o seu melhor interesse.

 O resguardo da privacidade nas relações familiares deve, necessariamente, ceder diante da proteção integral dos direitos da criança, especialmente nos casos em que há graves violações aos direitos infantojuvenis, como ocorrem nos casos de alienação parental.

 Em conformidade com o princípio da proporcionalidade, é legítimo que esses direitos fundamentais sejam relativizados sempre que se fizer necessário para assegurar o direito da criança à saúde física e mental, bem como à convivência familiar em ambiente seguro e harmonioso. Desta forma, prevalecerá o direito da criança, tendo como prioridade o seu desenvolvimento integral.

 De modo que, a admissão das provas ilícitas em tais processos demonstrou ser essencial para a proteção dos menores, que, nesses casos, são as principais vítimas das disputas familiares.

 

 4. ENTENDIMENTO CONTRÁRIO.

 Neste contexto, há quem se oponha à admissão de provas ilícitas no processo, sob qualquer circunstância, se tornando essencial ressaltar este entendimento.

 Argumenta-se que, caso a prova não se enquadre no artigo 369 do Código de Processo Civil, ou seja, se não for obtida por meio legal ou moralmente legítimo, deverá ser considerada uma prova ilícita, conforme previsto no artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal.

 A ilicitude da prova pode decorrer da violação de normas materiais ou processuais, e essa violação pode ocorrer tanto antes quanto após a instauração do processo. Além disso, se o meio utilizado para obter a prova não for moralmente legítimo, ela também será classificada como ilícita.

 Ou seja, existem aqueles que visam proteger a integridade do devido processo legal, de modo a garantir que as partes litigantes não recorram de métodos ilícitos para obter um resultado processual.

 Sob esta perspectiva, destaca-se o entendimento da doutrinadora Ada Pellegrini:

 

“É indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade em uma eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em estado de direito democrático (...) a norma inscrita no art. 5º, LVI, da Lei Fundamental promulgada em 1988, consagrou, entre nós, com fundamento em sólido magistério doutrinário”

 Portanto, consoante esta linha de entendimento, se defende a integral vedação das provas ilícitas em um processo, de modo que a sua admissão, ainda que ocasional, comprometeria o equilíbrio entre o direito à verdade e o respeito aos direitos fundamentais das partes envolvidas.

 O devido processo legal exige que todas as partes sejam tratadas de maneira justa e equitativa, e, para tanto, é essencial que os meios utilizados para produção probatória sejam compatíveis com a legalidade e a moralidade. A admissão das provas ilícitas significaria, prejudicar, por consequência, a isonomia processual.

 Além disso, essencial destacar que a admissão de provas ilícitas, ainda que excepcionalmente, pode resultar em insegurança jurídica, uma vez que em determinadas situações, as partes podem se sentir incentivadas a produzirem provas ilícitas, na expectativa de que sejam admitidas no processo.

 Dessa forma, a aplicação flexível desse princípio pode gerar instabilidade e insegurança jurídica.

 

5. CONCLUSÃO

 Diante dos fatos expostos, conclui-se que é devida a utilização das provas ilícitas em um processo, desde que o direito tutelado se sobreponha sobre o direito violado.

 Portanto, esta análise deve ser feita de forma criteriosa, com base no princípio da proporcionalidade e ponderação dos bens tutelados, visando assegurar que a utilização de tais provas seja verdadeiramente indispensável para a proteção de direitos fundamentais de maior relevância, a fim de evitar eventuais rupturas desnecessárias no devido processo legal.

 

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

AVOLIO, Luiz Torquato. Provas ilícitas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 53.

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. As nulidades no processo penal. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 60-82.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 32ª ed., p. 116.

PINTO, Alexandre Guimarães Gavião. A relativização dos direitos fundamentais na perspectiva do direito material e processual penal. Disponível em: < www.conteudojuridico.com.br>. Acesso em: 02 out. 2024.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, Vol. 2, p. 329.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, 3º Volume, 27ª ed. revista e atual. São Paulo: Saraiva, 2005.

 

Autor: Gustavo Henrique Vasconcelos de Miranda, Graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - Ano: 2023 - Escritório Pinto de Miranda Advogados - Pós graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie- SP.


Fonte: JusBrasil 

Fonte: Gustavo Henrique de Miranda
Data: 11/12/2024

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